Histórias de quem conheceu o fundador do Aikido, O-Sensei Ueshiba

 

Cansado de viajar e vislumbrando um trabalho difícil adiante, o jovem rapaz procurou um lugar para sentar naquele trem lotado. Acomodando-se perto daquele senhor franzino, sentou-se na parte de trás e lateral do vagão. “Não lhe conheço?”, perguntou o senhor próximo a ele. Suspirando, o rapaz olhou para a cara enrugada daquele sujeito e respondeu: “Eu acho que não”. “Engraçado, tenho certeza de que eu o conheço”, retrucou o senhor. “Qual o seu nome?”. O rapaz levantou-se e olhou seu novo companheiro de viagem mais diretamente. Dessa vez, com olhar ameaçador, ele anunciou com orgulho e arrogância: “Meu nome é Kenshiro Abbe, campeão japonês de Judô”. O senhor sorriu. “Ah, sim! Eu sabia que já tinha visto você antes”. “Por favor, você pode ficar quieto”, pediu Abbe, retornando ao seu lugar. “Eu tenho uma competição amanhã e preciso descansar”. “Claro”, disse o senhor. Mas, enquanto o trem seguia viagem pela estrada de ferro entrecortado pelo vento, e com o balanço que lhe é peculiar, o sujeito continuou tagarelando incessantemente. Até que, finalmente, Abbe levantou-se novamente e o encarou. “Cala essa boca, velho! Eu preciso dormir”. “Se eu sou só um velho e você esse tal campeão de Judô que você diz ser, talvez você possa quebrar o meu dedo. Eu fico quieto se você quebrar o meu dedinho”, disse o velho. Achando que se o fizesse ficaria livre do velho, o rapaz verificou o dedo que lhe havia sido ofertado. Cansado e irritado, ele agarrou o dedo do velho e torceu para quebrá-lo. O que se seguiu não foi o estalo curto e seco de um dedo sendo quebrado. Ao contrário, o que se viu foi um rapaz voando, caindo estatelado no chão daquele vagão e expelindo todo ar contido nos seus pulmões. E o pior, ele foi imobilizado. Depois de alguns instantes, o velho o libertou. “Quem é você?”, perguntou Abbe, maravilhado. “Eu sou Morihei Ueshiba, fundador do Aikido”. Abbe, ainda no chão do vagão, curvou-se para ele e perguntou se ele poderia ir ao seu dojô (local de treinamento) para treinar. Ele foi aceito como estudante e ficaria com Ueshiba por dez anos.

 

– Kenshiro Abbe

 


 

 

O Almirante Isamu Takeshita era professor de Jujitsu e sempre esteve envolvido com as artes marciais. Nos movimentos de O-Sensei, o Almirante Takeshita viu os movimentos das batalhas navais. Ele estava muito impressionado com O-Sensei. O Almirante Takeshita falou com o fundador do Judô, Kano Sensei, sobre O-Sensei. O Almirante Takeshita pediu a O-Sensei para ensinar Aikido na Escola Naval e convidou Kano Sensei para observar. Quando Kano Sensei viu O-Sensei, ele disse: “Sua arte é muito boa. Você pode ensinar os meus alunos?”.

– Minoru Mochizuki

 


 

 

Quando vi O-Sensei pela primeira vez, imediatamente senti que ele não era uma pessoa comum. Mesmo sendo ele baixo e com uma barba enorme, ele parecia um nobre. Em particular, suas feições eram de uma pessoa digna e solene e aparentava ser alguém que possuía um nível muito elevado de espiritualidade.

– Guji Yukitara Yamamoto

 


 

 

Um dia, um amigo me disse: “Um senhor muito forte apareceu em Shingu. Vamos dar uma olhada”. O Dojô era recente; O-Sensei veio pela primeira vez. O-Sensei estava lá com alguns dos seus deshi (alunos) e estavam treinando. Um dos deshi era mulher. Enquanto assistia o treino, fiquei pasmo com a mulher. O- Sensei veio e disse: “Vista seu Keikogi (uniforme de treino) e comece a praticar”.

Eu não sabia nada de Aikido. Não tinha experiência nenhuma naquela arte marcial. Mas O-Sensei me disse para treinar com a mulher. Eu não poderia deixar passar essa oportunidade; eu era bem forte quando jovem. Assim, eu peguei meu Keikogi e fui para o tatami treinar com a mulher. Mas, para minha surpresa, não importava o que eu fizesse, eu era surrado e arremessado para um lado e para o outro. O-Sensei nunca ensinou ukemi (os movimentos do parceiro, uke, incluindo ataque e algumas vezes queda), ele simplesmente disse que você aprende praticando. Então eu perguntei a O-Sensei se eu podia ser seu aluno. Ele disse que eu precisava ter dois patrocinadores. Então eu consegui dois patrocinadores, entrei para o dojô e comecei a treinar.

– Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

A primeira vez que encontrei O-Sensei, eu estava fascinado pela atmosfera que o cercava. Ele era totalmente diferente daquilo que eu imaginava que um artista marcial seria. O-Sensei parecia que tinha uma determinação divina. Ele conseguia passar suas idéias de tal forma que qualquer um poderia aprimorá-las, de acordo com os seus sentimentos adquiridos através da prática contínua do Aikido.

– Mamoru Suganuma

 


 

 

Por muitos anos fui responsável pelos Keikogi dos Ueshiba. Um dia eu fui levar pessoalmente os Keikogi encomendados. Eu fui até o antigo dojô e as pessoas estavam treinando quando, de repente, O-Sensei entrou. Incrível! Eu já havia ouvido falar a respeito de O-Sensei, mas nunca tivera a oportunidade de vê-lo em pessoa; eu não sabia nada sobre ele. Quando ele entrou, imediatamente as pessoas se sentaram, curvaram-se e fizeram reverência. Eu fiquei muito impressionado como a postura dos estudantes refletia uma atitude de profundo respeito, e aí eu pensei: ele deve ser um excelente professor. Essa percepção me deixou perplexo. Quando O-Sensei ensinava ele era severo e determinado. Sua conduta era de uma retidão a toda prova. Mas fora do dojô, ele era uma pessoa extremamente amável e gentil.

– Ayako Ishiwata

 


 

 

A primeira vez que vi O-Sensei, ele estava sentado na sala, próximo à lareira. O-Sensei vestia um Kimono e parecia um eremita da montanha, mas não um ser humano comum. Uma pessoa muito atraente e cativante.

O-Sensei perguntou sobre a família que me havia apresentado e depois contou estórias antigas (lendas, mistérios e tudo o mais). Então, eu entrei no dojô naquele dia. Naquela época, eu não estava preparado para conversar com O-Sensei. Sua cultura era vasta e profunda.

– Sadateru Arikawa

 


 

 

O dia mais importante da minha vida foi o dia em que encontrei O-Sensei pela primeira vez. Imediatamente pude sentir a grandiosidade daquele ser humano. Seu olhar era incrivelmente penetrante. Ao mesmo tempo, por traz daquele olhar penetrante havia uma luz de indescritível bondade e ternura. Minha primeira impressão foi a de que o brilho dos seus olhos era um misto de ferocidade e amabilidade ao mesmo tempo.

– Seiseki Abe

 


 

 

Em 1947, dois anos após o término da Segunda Grande Guerra, eu ainda estava no colégio. Foi nessa época que minha mãe, meus dois irmãos mais novos e eu fomos para Iwama. Fomos morar numa choupana com um só quarto, anexo ao dojô de O-Sensei.

O-Sensei ofereceu uma aula noturna para cinco ou seis crianças da vila, incluindo eu. Todas as noites, ele nos chamava para o Keiko (treinamento). De início, tudo o que eu conseguia ver eram as pessoas voando que nem gatos e fazendo coisas estranhas. Às vezes, eles pareciam fazer uma coisa arcaica, tipo uma oração muito antiga. Eu não queria me juntar a eles, mas O-Sensei me convidou e aí eu achei que deveria tentar. Eu segui o ritmo das pessoas e acabei me acostumando com os rolamentos e os movimentos. Senti-me atraído por aquela atmosfera espiritual.

No começo foi terrível, mas eu me acostumei. Claro que no treino fazíamos coisas bem simples. Nós fazíamos sempre as mesmas coisas, todo “santo-dia”. Eu acho que todo o tempo agente começava com Kokyu waza e terminava com Kokyu waza.

O Japão havia sido desmilitarizado após a rendição e a prática das artes marciais estava proibida. As pessoas estavam confusas sobre as questões militares; tudo que era relacionado a armas, guerreiros e samurais, e defesa, era extremamente impopular. Pouquíssimas pessoas praticavam artes marciais. É bem possível que naquela época nosso pequeno grupo de jovens e O-Sensei, fossemos a única escola de Aikido no Japão. Talvez até no mundo.

O dojô de O-Sensei era pequeno e o chão era de madeira. Tinha um altar. No pequeno recinto havia um espaço à parte: uma sala de espera com tatami; acho que oito.

A casa de O-Sensei ficava a uns 150 metros dali. O Aiki Jinja (santuário) ficava entre a casa e o dojô. A parte elétrica era muito precária naquela época, e faltava luz freqüentemente. Acho que usufruíamos dela por uns quinze minutos por dia, só. Nós ficávamos sentados na sala de espera, no escuro, calados e quietos. O que mais me marcou foi que os olhos de O-Sensei resplandeciam naquela escuridão, como se fosse gato.

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

Um belo dia, um amigo me disse que um professor estranho estava em Iwama. Combinamos de ir juntos visitar o tal professor, mas acho que meu amigo ficou com medo e não apareceu. Fui para assistir uma aula matinal. Os uchi deshi estavam lá. O-Sensei possuía muitas terras em Iwama e por isso construiu uma casa, um santuário e o dojô. A sua casa era pequena.

Naquela época eu fui para me matricular e, primeiro, fui à casa de O-Sensei. Quando cheguei, havia um aluno sentado do lado de fora. Eu disse: vim para me juntar a vocês. Ele me disse que O-Sensei estava no dojô e a aula já havia começado. Então, fui para o dojô. Eu tinha dezoito anos. Eu vestia uma calça e uma camiseta, mas mesmo assim perguntei se podia treinar. O-Sensei olhou para mim e disse que se eu só queria treinar um pouco e ir embora, isso o incomodaria bastante e que não havia propósito nenhum para ele se assim fosse. Mas se eu achava que podia continuar treinando, então eu podia começar. Então, eu entrei no dojô e comecei. O-Sensei me disse que eu deveria praticar com o espírito de servir aos outros e ao mundo.

– Morihiro Saito

 


 

 

No início dos anos 50, um professor de karatê me falou a respeito de uma experiência emocionante. Ele disse: “Eu conheci um sujeito que mais parece um fantasma. Eu tentei atingi-lo de todas as maneiras, mas não consegui acertar um só golpe”.

O sujeito era O-Sensei.

– Shoji Nishio

 


 

 

No segundo dia em eu que estava no Hombu Dojô, O-Sensei veio e fez uma inacreditável demonstração que durou uns trinta minutos. Eu fiquei hipnotizado com os seus movimentos.

– Henry Kono

 


 

 

Hikitsushi, um estudante de O-Sensei, o trouxe para Tsubaki Shrine pela primeira vez em 1959. Quando O-Sensei chegou, ele imediatamente foi para a cachoeira para fazer misogi (prática da purificação). Meu pai e eu, também fomos. O-Sensei saiu da água e praticou bo (uma espada de madeira – bokken) entoando um cântico por quase uma hora. Eu não entendi o quê aquilo significava. Depois, fomos todos para minha casa tomar chá. A partir daquele dia, O-Sensei passou a vir todos os anos com seu aluno Hikitsuchi.

– Guji Yuritaka Yamamoto

 


 

 

Quando O-Sensei visitou o Havaí, os professores que o recepcionaram não tiveram problemas para traduzir suas palavras iniciais. Ele consumiu um tempo com os agradecimentos, saudando a audiência e agradecendo a todos por estarem ali. Mas depois ele começou a falar sobre fogo e água e nós, tradutores, ficamos completamente perdidos.

– Takashi Nonaka

 


 

 

Quando cheguei ao Japão, vindo do Havaí, a primeira coisa que fiz quando entrei no Hombu Dojô foi entregar uma carta de recomendação a um homem que estava na recepção. O recepcionista disse: “Só um minuto”. E desapareceu. De onde eu estava, eu podia ver o interior do dojô. Bem próximo ao escritório havia uma pequena sala e aquela sala era para O-Sensei e seu filho Kishomaru Doshu. Era a sala deles e também uma sala de espera. Naquele dia eles estavam lá, sentados e tomando chá. O recepcionista voltou e me conduziu até aquela sala e me apresentou O-Sensei e Kishomaru Doshu.

Eu havia lido um ou dois livros sobre Aikido. Eu li que O-Sensei era o mestre e também já tinha visto algumas de suas fotos. Quando entrei, fiquei impressionado como os olhos de O-Sensei cintilavam. Eu poderia jurar que seus olhos eram azuis, mas eu sabia que japoneses não tinham olhos azuis, então eles não poderiam ser azuis. Mas eles eram tão claros e tão cintilantes, que a perplexidade tomou conta de mim. De alguma forma, estar na sua presença era como se eu estivesse conhecendo um homem extremamente marcante. Eu mal conseguia falar. Na verdade eu gaguejei um japonês de principiante. Eles então tiveram uma conversa bem branda comigo. O-Sensei não sabia o que fazer comigo, mas foi muito polido e me ofereceu um chá. Finalmente Kishomaru Doshu disse: “Bem, a aula das três horas está começando”. Eu peguei o meu Keikogi e segui Kishomaru Doshu de forma que eu pudesse me trocar para a aula.

– Robert Frager

 


 

 

Em qualquer romance, há sempre vários primeiros encontros. Literalmente há o primeiro quando você encontra, depois aquele primeiro no qual você vê. Há a primeira vez quando você sente e depois aquele primeiro momento em que você fica junto. Existe uma série de ”primeiros”.

Na primeira vez que eu realmente encontrei O-Sensei, foi a primeira vez que ele me pediu para atacá-lo. Eu tinha observado as outras pessoas o atacando e me pareceu interessante; tipo: aqui está esse velhinho baixinho e franzino, esses caras vão atacá-lo e todos eles vão direto para o chão. Confesso que estava cético. Mas aí, ele me pediu para atacá-lo. Eu não sabia o que aquilo significava. Era algo como um choque cultural! Na minha cultura, ninguém agride uma pessoa de idade na cabeça. Eu sabia que ele queria que eu o atacasse na cabeça, e com toda a força que eu pudesse. Eu sabia disso, mas estava apavorado.

Eu estava apavorado por várias razões. Uma, porque eu estava indo de encontro a uma “lei” cultural que dizia que você não deve agredir uma pessoa de idade na cabeça. Dois, eu estava cercado de faixas-pretas; todos sentados a minha volta. Se eu o atingir na cabeça, vou ser morto. Se eu matar ele, esses caras aqui vão me matar.

Então pensei: Se eu o matar e eles me matarem, não vai haver mais aula de Aikido. Eu vou estar morto. Ou, se eu não atacá-lo na cabeça, eu não precisar estudar Aikido, porque nós vamos ter que entrar num acordo que diz respeito à decepção. Tudo bem, eu vou daqui e você daí. Eu concordo em não te agredir e vou cair quando você gritar e me jogar no chão. Mas eu não estava lá interessado em participar de uma peça teatral.

A primeira vez eu não consegui reunir coragem suficiente para realmente atingi-lo. Então, quando eu consegui, eu estava me perguntando. Eu não sei o que ele fez. Ele me agarrou, e me jogou no chão. Eu não sei o que ele disse, mas acho que o que ele queria dizer era: “Isso é tudo que você pode fazer? Essa é toda a concentração que você pode me dar?”. Isso me deixou muito puto. Aí eu pensei: não me importa o quanto você é velho, agora é pra valer. Então, assim que me levantei, eu realmente tentei atingir a sua cabeça. A próxima coisa de que me lembro é que eu estava olhando para cima. E ele olhando para baixo e me perguntando se eu estava bem. Não houve intervalo. Eu me lembro da determinação. E me lembro do foco e do triângulo num ponto da sua cabeça. Mais um minuto e eu estava olhando para cima. Foi uma fração de segundo; apenas aqui e de repente lá.

Eu compreendi que alguma coisa muito importante aconteceu comigo. Talvez fosse um truque. Talvez fosse uma espécie de hipnose, ou um transe auto-induzido, ou algo parecido com isso. Mas se foi, então eu queria aprender com se fazia. Com certeza, não era teatro. E não precisava da minha participação deliberada. E isso me deixou muitíssimo impressionado. Era algo totalmente diferente.

– Terry Dobson

 


 

 

Eu fui ao Japão para estudar com O-Sensei porque tinha ouvido falar que ele era um grande artista marcial. Depois de vê-lo em ação, fiquei impressionado. Mas como a maioria dos americanos, eu precisava ser convencido. Um dia, O-Sensei me olhou e me pediu para segurar seu braço. Eu estava em muito boa forma naquela época e achei que essa era a minha chance de testá-lo. Depois que eu segurei o seu braço, com bastante força, tudo que sei é que me vi num estado completamente diferente – uma outra dimensão – como não sentia há muito tempo. Então, quando eu estava no meio dessa dimensão, numa fração de segundo eu já estava de volta ao espaço do dojô. Vi O-Sensei do meu lado direito e senti um formigamento na palma da minha mão, virada para frente, pouco antes de sentir o chão como se fosse um carro batendo num muro. Todos riram porque a minha boca estava aberta, e meus olhos e meu rosto numa expressão de terror. Foi realmente uma experiência totalmente nova e única para mim. Meu corpo cruzou uma linha na qual muitos poucos conseguiram. E ao cruzar essa linha, pude ver que não importava o quanto tempo eu estivesse praticando e estudando Aikido.

– Robert Nadeau

 


 

 

O treino foi numa manhã de domingo muito especial. Um lindo e encantador dia de primavera. Os pássaros estavam cantando e as janelas estavam abertas. Como era de costume, a primeira pessoa a ver O-Sensei batia palmas e todos os alunos corriam para um lado do dojô e sentavam-se em posição seiza (posição tradicional na qual os japoneses costumam se sentar). O-Sensei só estava passando, a caminho do seu escritório e vez por outra dava uma paradinha para ensinar.

O-Sensei pediu que os alunos fizessem um ataque; o shomenuchi com um bokken (espada de madeira). Quando o ataque veio, ele sacou um pequeno leque do cinto e deixou escapar o seu mais incrível kiai (grito). Ouvi-lo, era realmente uma experiência destruidora. O kiai provocou um efeito surpreendente e assustador – eu tremi e não conseguia me controlar. Eu simplesmente não conseguia entender o que estava acontecendo comigo.

Depois de alguns minutos, O-Sensei seguiu seu caminho e a aula terminou. Logo depois da aula, os dois ou três estrangeiros que estavam lá correram uns para os outros. Nós todos sentimos a mesma coisa; a mesma experiência!

– Ken Cottier

 


 

 

A primeira vez que vi O-Sensei foi quando ele deu uma incrível demonstração. Todos os professores mais graduados vieram para essa demonstração. Aconteceu diante do imperador da Manchuria.

– Shingenobu Okumura

 


 

 

A primeira aula de Aikido que assisti, foi dada pelo O-Sensei. Quando O-Sensei entrou no recinto, havia um sentimento cintilante; todos que estavam ali pararam imediatamente de treinar e sentaram-se e O-Sensei começou a demonstração. Ele fazia coisas como se estivesse parado, imóvel, ou arremessando as pessoas sem sequer tocá-las. Coisas que desafiavam a física.

Enquanto eu assistia aquela inacreditável demonstração de O-Sensei, eu tive uma experiência assaz bizarra. Eu senti meu cérebro explodindo para fora do crânio e pairando sobre mim como uma nuvem de areia. Parecia dividido em dois. Uma parte de mim, de alguma forma compreendeu o que estava se passando; uma voz me dizendo que uma verdade profunda estava sendo demonstrada ali, naquele momento. A outra parte me disse: “Ele é um ancião e os japoneses tratam as pessoas idosas com muito respeito. Talvez os seus parceiros estejam apenas caindo por isso”. Eu senti que aquele homem tinha um conhecimento profundo de como as coisas funcionam no universo – um conhecimento muito além da minha educação e experiência. Mas, ao mesmo tempo, eu estava com a “pulga atrás da orelha”. Àquela altura da minha vida, tudo precisava ser razoável e lógico ou eu não tinha nada a ver com tudo aquilo.

Ao final da demonstração, O-Sensei saiu do tatami. Quando ele chegou à porta da sua casa, lado oposto de onde eu estava, ele virou e eu achei que ele tinha olhado para mim. Mais tarde me disseram que ele era muito míope. Talvez ele estivesse apenas olhando… Mas a sensação foi a de que ele realmente olhou para mim. A impressão que ficou foi muito clara; eu pude sentir a luz, o brilho em seus olhos penetrando meu abdômen. A sensação de uma flor desabrochando.

As pessoas costumam dizer que quando a morte se aproxima, toda a sua vida brilha em seus olhos. Eu tive essa experiência, e então tudo começou a fazer sentido para mim. Parece que tudo o que aconteceu, inevitavelmente me conduziu para aquele momento. Foi quando me dei conta de que o Aikido era o meu caminho.

– Mary Heiny

 


 

 

Treinando com O-Sensei

Antes de começar a treinar Aikido, eu havia praticado Judô e Karatê no Corpo de Fuzileiros Navais. Por isso, eu entendia as artes marciais como uma combinação de força e velocidade. No início, eu carregava uma boa dose de ceticismo sobre as coisas que via O-Sensei fazer.

Mas um dia eu tive oportunidade de atacar O-Sensei em um lugar e, como num passe de mágica, ele estava em outro lugar. Não pude acreditar no que eu senti e vi no dojô de O-Sensei. Mas eu nunca desafiei O-Sensei diretamente.

O-Sensei fez uma fantástica demonstração onde ele convidou seus alunos para empurrar o bokken que ele segurava, mas perpendicularmente, contra ele. Pareceu-me algo irreal. Eu fiquei absolutamente cético com essa demonstração porque O-Sensei sempre chamava seus estudantes, mas nunca me incluía. Eu já começava a pensar em admitir que tudo aquilo fazia parte de uma grande encenação de O-Sensei.

Um dia, eu fui chamado para fazer parte da demonstração. Dessa vez, quando O-Sensei começou a demonstração com o seu bokken, eu mais que depressa me levantei e corri junto com os demais alunos. Três deles já estavam a postos, esforçando-se para empurrar o bokken. Quando minhas mãos fizeram contato, eu tinha quase certeza de que o bokken ia se mover, nem que fosse apenas um pouquinho. Mas mesmo quando eu bati e “chacoalhei” com bastante força, usando todo o peso do meu corpo, ele se mexeu. Nem um centímetro! Parecia que tentávamos empurrar a Muralha da China. Como O-Sensei fazia aquilo, eu nunca vou saber. Eu me lembro daquele sentimento como se fosse hoje; uma das maiores surpresas da minha vida. O que eu sei, é que tudo o que vi, experimentei, vivenciei e aprendi na vida, como Ser Humano, não é suficiente para me ajudar a explicar aquela experiência.

– Terry Dobson

 


 

 

Quando O-Sensei projetava os alunos que não treinavam com freqüência ukemi, eles se levantavam estupefatos e com uma expressão nos seus rostos, como se estivessem dizendo para si mesmos “o que foi isso?”. Eu nunca o vi se mover. Eu nunca senti um movimento dele. É como se ele sempre estivesse lá; eu é que me movia. Naquela época eu estava no auge dos meus 25 anos e tinha acabado de receber minha graduação shodan. Mas nunca antes, e mesmo depois, eu havia experimentado algo parecido. Ele, a montanha, não se mexia; simplesmente me derrubava. O-Sensei então dizia coisas do tipo: “Quando você tenta me atacar, você está tentando atacar o universo”.

– Robert Frager

 


 

 

Todos os alunos sentiam nos seus próprios corpos que O-Sensei possuía um incrível e poderoso kokyu (energia). Eles não conseguiam atingir ou agarrar O-Sensei, por mais que o atacassem. Todos achavam que ele possuía algo terrível; uma força e um poder invisível.

– Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

A postura de O-Sensei era impressionante, e tremendamente expressiva. Ele nunca desequilibrou, caiu ou cingiu a postura. Surpreendentemente perfeita. Nunca ninguém viu O-Sensei curvado no dojô ou frente a alguém, com as mãos pendentes, ou dizendo “eu estou cansado”. O-Sensei não tinha aberturas ou brechas e nunca mostrou alguma. Mesmo a pessoa mais próxima dele, com a qual ele se permitia ficar mais relaxado, disse que O-Sensei nunca abaixou a sua guarda ou descuidou do seu constante estado de atenção (zanchin).

Mesmo quando os seus alunos estavam sentados à sua volta, descontraídos e conversando com O-Sensei, perceberam qualquer abertura – por menor que fosse. Não importava o quão forte, duro e veloz era o ataque, eles nunca conseguiam pegá-lo. Sem dúvida alguma esse era o atrativo mágico de O-Sensei, que incansavelmente continuava atraindo toda sorte de artistas marciais e estudantes para a arte do Aikido.

– Motomichi Anno

 


 

 

O-Sensei era muito forte para o seu tamanho. Uma vez O-Sensei treinou com um uchi deshi, ambos com espadas de madeira (bokken). E o aluno atingiu O-Sensei na cabeça. Deu para ouvir, alto e claro, o som seco da pancada. Eu pensei que o golpe tivesse ferido O-Sensei seriamente, mas não. Nada!

– Seiseki Abe

 


 

 

O-Sensei tinha uma postura ereta harmoniosa e natural, e seus movimentos mostravam um ritmo realmente extraordinário. Como na música: por vezes muito lento, tão sutil e tênue, que quase parecia que ele não se movia, e por vezes tão rápido que era quase impossível ver e sentir a mudança. Parecia um relâmpago.

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

Uma vez O-Sensei estava em Osaka e visitou todas as universidades de lá. Numa demonstração particular, O-Sensei disse: “Há alguém, dentre vocês, que tenha dúvidas a meu respeito e que queira atacar esse velho aqui? Se há, então venha e ataque”. Uma pessoa na audiência gritou: eu tenho! Muitos acharam que a demonstração de O-Sensei era uma farsa. Eles não conseguiam entender como um homem em idade avançada, com ombros tão estreitos e parecendo que mal conseguia ficar em pé, poderia derrotar um jovem forte como aquele. O jovem correu e rapidamente tentou agarrar o pescoço e o pulso de O-Sensei. Mas subitamente ele sentiu algo, que descreveu, depois, como sendo uma bola de fogo vindo em sua direção. E aí, ele voou. Foi horripilante. O-Sensei deve ter projetado todo o seu Ki (energia universal ou força da vida). Só você vendo. Esse poderoso Ki interior é o que havia de mais espantoso em O-Sensei. Muitos podem imitar a sua forma, mas ninguém possui essa qualidade interna. Existem qualidades no Aikido, que não podem ser vistas. Não é apenas a forma. É por isso que o Aikido é espantoso.

– Yuuichi Nakagushi

 


 

 

Eu sou grande e O-Sensei era pequeno. Nós éramos uma perfeita parceria cênica. Em algumas demonstrações ele me chamava para agarrar seus ombros e dizia: “Por que você está segurando minha barba? Eu sou um senhor de idade”. A primeira vez que ele disse isso eu fiquei terrivelmente embaraçado, porque foi na frente de um monte de gente. Todo mundo riu. Ele disse: “Eu sou só um velhinho, e a minha barba é rala. Se você puxar e arrancar eu vou ficar com uma aparência horrível”. Todos riram. Era só uma brincadeira.

– Terry Dobson

 


 

 

Uma vez O-Sensei sentou-se à minha frente, joelho com joelho, na posição seiza. O-Sensei disse: “Estenda as suas mãos”. Ele colocou suas mãos sobre as minhas e disse: “Empurre”. Para mim, as mãos de O-Sensei eram tão leves que pareciam uma pluma. Mesmo quando as empurrei com toda a força que pude, elas não se moveram; sequer se mexeram! Esse foi um momento de uma experiência única, algo simplesmente fenomenal. Eu não conseguia movê-las, e o mais fantástico é que suas mãos continuavam leves como uma pluma; como se elas não estivessem ali. Eu não fazia a menor idéia que diabos estava acontecendo, mas a verdade é que ele estava fazendo aquilo comigo. Aí eu pensei que poderia atacá-lo com toda a velocidade, mas ele continuava ali e tudo o que eu podia sentir era uma pluma impedindo que eu fizesse qualquer movimento. Seja lá o que ele estava fazendo, e como ele estava fazendo, eu não faço a menor idéia.

– Robert Frager

 


 

 

O corpo de O-Sensei não era rígido, era flexível. E mesmo assim, qualquer pessoa que o agarrasse podia sentir uma força, uma poderosa energia sendo drenada. Era como se ele absorvesse a sua força, a sua energia e a fizesse circular.

– Motoichi Yanase

 


 

 

Por vezes, quando O-Sensei me tocava, eu sentia que a minha energia crescia abruptamente. Em outras, era como se toda a minha energia tivesse sido drenada. Mesmo quando apenas perto dele, às vezes eu sentia que minha força era totalmente absorvida. Eu também sentia uma pressão muito forte. Era o poder do Kami (energia divina). O-Sensei era muito forte e os seus braços pareciam enormes. Era aterrorizante. Eu tinha a impressão de que meus ossos tinham sido quebrados.

– Michio Hikitsuchi

 


 

 

A cada dia, O-Sensei fazia algo extraordinário. Eu não acreditava no que meus olhos estavam vendo. Era como se um milagre acontecesse todo dia. Nós tentávamos empurrá-lo e ele não se movia. Ele derrubava e arremessava as pessoas sem esforço algum. Ou ele simplesmente imobilizava alguém com apenas um dedo. Enquanto ele falava conosco de uma forma tão relaxada, a pessoa imobilizada se esforçava ao máximo para tentar se levantar. Isso era algo que ele realmente gostava de fazer. Acho que era a maneira como ele exercitava o se Ki.

O que quer que fosse que O-Sensei falasse, era espiritual e impossível de se compreender. O-Sensei sempre dizia que Aikido é o caminho da não resistência e que mesmo que parecesse contraditório, é o caminho do desafio ao espírito. Ele disse que Aikido incorpora e abrange o círculo, o triângulo e o quadrado.

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

O-Sensei apreciava ele mesmo. Ele era natural. O que ele tinha que dizer, ele dizia. Ele podia cacarejar e sorrir ou podia rugir e gritar, mas ele apreciava cada minuto. Vez por outra ele chegava, encostava o dedo num aluno, e fazia com que ele fosse ao chão e lá ficasse sem conseguir se mover, sem conseguir se levantar. Uma vez, O-Sensei me segurou sem que houvesse nenhum contato físico. Havia uma força nele que ia muito além do físico. Aqueles que tiveram a oportunidade de estar com ele sabem que quando você vai de encontro a um espírito como o dele, você está indo de encontro a algo que, com certeza, vai fazer você recuar – impelido por essa força. É muito bonito e supremamente poderoso.

– Virginia Mayhew

 


 

 

Uma vez nós fomos a um clube muito distinto, em Osaka. Entramos num salão, com uma aparência extremamente formal. Nele, havia um pequeno grupo de pessoas que estavam sentadas, tomando chá e café. O-Sensei conhecia muitas daquelas pessoas; eram militares reformados e empresários.

O-Sensei estava vestido normalmente, mas me fez vestir meu Keikogi e o Hakama (o uniforme do Aikido) e começou a me projetar. O problema é que não havia espaço para eu cair. O salão estava cheio de mesas, móveis e prateleiras de vidro, e as pessoas sentadas nas poltronas estavam parecendo garçons, equilibrando seus copos e xícaras no colo. O-Sensei me projetava entre uma poltrona e outra, permitindo que eu me virasse em pleno ar e assim evitando que meus pés atingissem um industrial. Eu voava de um lado para o outro, enquanto O-Sensei falava sobre mitologia!

– Terry Dobson

 


 

 

O-Sensei às vezes parecia um trovão: “Essas técnicas servem apenas para a saúde! Aikido é espiritualidade”.

– Robert Frager

 


 

 

O-Sensei usou uma faixa branca toda a sua vida e não possuía graduação; ele estava totalmente acima de tudo disso.

 


 

O-Sensei podia fazer coisas que ninguém mais poderia fazer. Uma vez eu me aproximei dele e conversei sobre esse assunto. Eu perguntei a ele o que ele fazia de diferente. Ele me disse que eu encontraria o segredo no yin e yang.

– Henry Kono

 


 

 

Quando O-Sensei praticava Aikido, seus olhos ficavam brilhantes e precisos. Quando ele estava numa situação formal e ele reparava que as pessoas apresentavam um comportamento rude, ele as encarava com um olhar marcante e penetrante. O-Sensei mostrou sua impetuosidade e seu olhar penetrante muito mais antes da guerra do que depois.

– Sadateru Arikawa

 


 

 

Os olhos de O-Sensei eram de uma coloração cinza muito interessante, e era com eles que ele movia as pessoas. Bastava um pequeno gesto e um olhar para chamar um uke. Só isso.

– Masaki Tani

 


 

 

O-Sensei sempre olhava as pessoas nos olhos. Quando seu olhar era fixo e penetrante, as pessoas murchavam. Algumas pessoas não queriam ser chamadas para uke, então procuravam evitar o olhar. Outras se sentavam bem à sua frente, esperando serem chamadas. Havia, ainda, aquelas que tentavam se esconder só para serem chamadas.

– Sadateru Arikawa

 


 

 

É difícil descrever O-Sensei, por várias razões. Uma é porque era duro olhar para ele. Ele controlava você. Não conscientemente, mas quando ele estava presente, você sabia que ele estava lá e você sabia da sua presença, não importava o lugar onde ele estivesse. Você podia olhar para ele, você podia conversar com ele, mas ele sempre olhava direto para você. Era maravilhoso quando eu podia olhar para ele hoje e ver, nele, a figura de um amável avô, ou podia ser terrível; eu podia olhar e ver um dragão com o fogo do inferno saindo dos seus olhos. Difícil de encarar. Eu nunca consegui saber ao certo se o que você via dependia do humor dele ou da maneira como você estava.

– Terry Dobson

 


 

 

Quando O-Sensei fazia demonstrações, às vezes chegava num ponto em que os seus olhos assumiam uma cor púrpura e parecia que ele entrava em outro mundo; outra dimensão. A partir daí, suas demonstrações se tornavam magníficas. Eu podia ver a mudança nos seus olhos.

– Shingenobu Okumura

 


 

 

O-Sensei se movia mais devagar quando era mais velho, mas quando colocava os pés no tatame, parecia uma criança. Ele ensinava ikkyo e iriminage e não ensinava as técnicas mais complicadas, como kotegaeshi ou shihonage.

– Masaki Tani

 


 

 

Quando O-Sensei estava com mais de 80 anos, a doença e o tempo começaram a tomar conta e cobrar pedágio. Ele emagreceu e andava muito devagar. Ele precisava de ajuda para subir escadas, e a cada movimento que lhe exigisse um pouco mais de esforço, eu podia notar sua expressão de dor. Mas ainda assim, doente, ele ensinava Aikido. No momento em que ele pisava no tatame, de uma pessoa enrijecida pela idade avançada ele se transformava num homem que não podia ser vencido por ninguém – nem mesmo a morte. Sua presença era a de um líder. Seus olhos brilhavam e a energia do seu corpo era vibrante. Ele projetava seus uchi deshi sem o menor esforço. Todos jovens, fortes, experientes pelo treinamento diário e no auge de suas condições físicas. Mostrando nenhum sinal de dor ou desconforto, ele ria de nossas tentativas de ataques com toda determinação, ou mesmo de segurá-lo. Nas suas demonstrações ele estendia sua espada de madeira e encorajava cinco de nós, juntos, a empurrá-la com todas as nossas forças. E nós não conseguíamos movê-la um centímetro sequer. Seria mais fácil mover um muro.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

Eu era muito jovem quando estudei com O-Sensei. Havia uma diferença de quase cinqüenta anos entre nós, e nossos interesses eram bem diferentes. Como era jovem, eu não estava interessado na filosofia e nem no Shinto de O-Sensei. Como qualquer outro jovem, eu só estava interessado em me tornar cada vez mais forte fisicamente e aprender os mistérios do poder, que eu acreditava que o Aikido possuía. Eu queria bater nas pessoas fortes, os praticantes de Kendô, Judô, e qualquer outra arte marcial.

Só depois que amadureci, com a idade, é que pude entender o interesse de O-Sensei pela filosofia e o Shinto. O-Sensei estava tentando nos ensinar, através do Aikido, como nós poderíamos nos livrar da ilusão e começarmos a descobrir a realidade.

– Nobuyoshi Tamura

 


 

 

Certa vez, uma jornalista francesa visitou o dojô. O-Sensei estava tão doente que mal conseguia ficar em pé. A mulher insistiu com ele para que fizesse uma demonstração, alegando que não teria oportunidade de voltar mais ao Japão. O-Sensei atendeu seu pedido. Os alunos o carregaram numa maca até o dojô. Lá, ele foi colocado de pé e pediu aos seus ukes que o atacassem. De repente, ele era um outro homem. Ele fez uma demonstração que durou vinte minutos, sem intervalo. Ele só dizia: “continuem me atacando!”. Foi terrível. Mas quando terminou, ele não conseguia mais ficar em pé. Ele precisou ser retirado do tatame numa maca.

O-Sensei tinha 86 anos. Para um homem nessa idade, fazer uma demonstração de vinte minutos, sem interrupção… Sozinho, ele mostrou para todos que tudo o que ele fazia era fantástico! Mesmo sendo velho e doente O-Sensei era uma pessoa totalmente diferente no tatame.

– Henry Kono

 


 

 

Quando O-Sensei vinha para cá, ele ficava de oito a dez dias hospedado em minha casa. O-Sensei acordava às seis da manhã, no inverno, e as cinco no verão, quando ficava lá em casa. Ele praticava várias atividades esotéricas todos os dias pela manhã, assim que acordava. Dentre essas práticas, sempre havia uma abertura em que ele recitava um longo norito (oração) chamado Oharai Norito (oração à grande purificação). Ele se levantava, fazia misogi e então, logo no início, ele recitava o Oharai Norito. Nós nos sentávamos atrás dele e o seguíamos. Eu estudava e tentava imitar sua respiração, seus versos e a maneira como ele projetava a sua voz. Era minha aula sobre Kokyu. Depois das aulas eu costumava perguntar tudo sobre os nomes dos Kamis que ele mencionava nas orações, e ele sempre me dava explicações muito claras sobre cada um deles. Essa era a rotina, que acontecia no dojô quando O-Sensei ficava aqui. O-Sensei enfatizava que o propósito dos treinos no Aikido não era a técnica, mas a espiritualidade. O-Sensei dizia para as pessoas que elas deveriam conectar o trabalho de suas vidas ou o propósito de suas vidas ao Akido de cada uma delas.

– Seseki Abe

 


 

 

Não havia um padrão quando O-Sensei ensinava Aikido. Era um trabalho divino. Sempre começava com ikkyo swariwaza e depois as coisas se moviam de acordo com o seu Ki do momento.

– Michio Hikitsuchi

 


 

 

O-Sensei insistia para que seus alunos se concentrassem nas técnicas básicas; kihon. Para ele, o básico resumia-se na postura, respiração e atitude. Ele acreditava que todo Ser Humano tinha um corpo e um espírito, e que esse corpo e esse espírito deveriam trabalhar juntos.

– Nobuyoshi Tamura

 


 

 

Quando eu comecei a praticar Aikido, apenas adultos com 25 anos, ou mais, podiam treinar. Para ser um aluno de O-Sensei, você deveria apresentar cinco patrocinadores. Não era qualquer um que podia estudar Aikido.

– Michio Hikitsuchi

 


 

 

Naquela época não havia mensalidade. Não se pagava O-Sensei. Os estudantes colocavam o dinheiro num envelope e escreviam “tamagushi” (oferenda), e o deixavam no santuário. Alguns traziam arroz, vegetais ou frutas, em troca do aprendizado. Hoje, além da mensalidade existe uma taxa de matrícula. Em tempos antigos, as pessoas não dispunham de muito dinheiro.

– Shingenobu Okumura

 


 

Se O-Sensei soubesse que alguém tinha se machucado, ele fazia uma preleção por quarenta minutos. Ele dizia que ninguém precisava se machucar. O-Sensei odiava o uso da força, principalmente aqueles que eram musculosos. Mas eles usavam. Se O-Sensei visse isso, ele fazia com que todos se sentassem e lhes dava outra preleção.

– Henry Kono

 


 

 

Certa vez, em Osaka, um aluno morreu treinando. Esse assunto é raramente comentado, mas aparentemente o aluno foi projetado, caiu e bateu com o pescoço no tatame. Era uma pessoa que O-Sensei não conhecia. Sequer o tinha visto antes. O dojô no qual o aluno morreu, ficava do outro lado do Japão. Centenas de quilômetros dali. Mas O-Sensei ficou aborrecido. Muito aborrecido. Ele se sentiu responsável. O-Sensei provavelmente nunca havia treinado o sujeito que estava ensinando naquele dia. Mas O-Sensei se sentia responsável por tudo que acontecia em qualquer dojô de Aikido. É de longe uma maneira magnânima de ser e de estar nesse mundo, do que a maioria de nós pode imaginar.

– Tobert Frager

 


 

 

No tatame, O-Sensei realmente odiava quando os alunos se engalfinhavam. Empurravam e puxavam uns aos outros ou tentavam usar de força. Essas coisas eram completamente contra o Aikido. Quando ele não estava presente, os mais jovens costumavam se divertir e brincar, competindo e praticando luta livre. Mas isso era totalmente contrário ao que O-Sensei ensinava. Mas como o dojô era pequeno, só dois de cada vez podiam fazer isso. O-Sensei era rigoroso. Às vezes ele sorria, mas nunca fazia brincadeiras. Ele nunca dizia alguma coisa que não fosse agregar valor à vida. O-Sensei estava sempre concentrado na vida espiritual, e o Aikido fazia parte dessa vida.

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

Sempre que havia uma solicitação para o Aikido em algum país estrangeiro, um aluno sênior era enviado para ajudar a disseminar a compreensão da arte. O-Sensei sempre dizia que eles deveriam se tornar pessoas daquele país; o país no qual fossem viver. Eles deveriam assimilar toda a sua cultura, hábitos e costumes.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

Um dia O-Sensei viu alguns alunos praticando técnicas que eram praticadas antes da Segunda Grande Guerra. Ele os repreendeu seriamente, dizendo: “ Por que vocês acham que eu despendi tanto tempo aperfeiçoando a arte?”.

– Yoshimitsu Yamada

 


 

 

O-Sensei gostava das flores de dos pinheiros. Quando seus uchi deshi treinavam com seus bokkens, nos pinheiros, ele ficava muito irritado. Ele vinha e dizia: “Vocês estão matando a árvore!”.

Há um filme antigo que mostra O-Sensei treinando Jô (um bastão usado para treinamento) em uma árvore, mas ele tomou cuidado cercando a árvore com uma tela de proteção.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

À medida que os estudantes se desenvolviam no estudo do Aikido, lhes era permitido ensinar. Alguns foram para as universidades. Para grupos como esses, os instrutores freqüentemente organizavam gasshukus; um evento que durava de três a quatro dias onde os estudantes comiam, dormiam e treinavam todos juntos. Um desses gasshukus foi organizado em Iwama, por um instrutor chamado Tomita.

A tradição diz que se você é instrutor de um dojô, mesmo que você esteja agendado para dar uma aula em outro, você deve pedir permissão ao instrutor daquele dojô. Isso deve ser feito ainda que o instrutor daquele dojô esteja muito doente, a ponto de nem poder se levantar da cama. Se você estava programado para dar uma aula quando O-Sensei estava por perto, principalmente se fosse no dojô de Iwama, você tinha duas boas razões para isso. O dojô de Iwama não era apenas o dojô que fora construído por O-Sensei, mas porque ele era o do fundador do Aikido. Então, se O-Sensei estivesse presente, você nunca deveria dar uma aula sem antes falar com ele primeiro. Se ele quisesse dar a aula, era a aula dele.

Tomita indagou se O-Sensei gostaria de conduzir os treinos da parte da manhã, do gasshuku. O-Sensei não deu a aula e os alunos treinaram por umas duas horas, almoçaram e limparam o dojô e os arredores. Quando já era hora do treino da parte da tarde, O-Sensei estava dormindo; uma soneca após o almoço. Tomita achou que não deveria incomodar O-Sensei, acordando-o só para pedir permissão para ensinar. Afinal, a aula era para um bando de colegiais e O-Sensei não estava em Iwama para dar aulas para crianças. Então, Tomita foi em frente e deu iniciou a aula.

Depois de algumas técnicas e projeções, O-Sensei adentrou o dojô com fogo nos olhos. Eu estava entre ele e Tomita. A energia era tão intensa que a vontade que eu tive foi a de entrar de baixo do tatame e me esconder sob do dojô. É como se eu estivesse bem no meio do caminho de um furacão. O-Sensei estava furioso e eu estava ali, bem entre ele e Tomita. O-Sensei falou sobre a importância do reigi (cortezia), falou sobre educação e etiqueta e sobre a falha de Tomita em pedir a devida permissão para ensinar; um exemplo de má educação e comportamento. O-Sensei foi tão severo que chegou a dizer que a razão do rapaz ter morrido num dojô de Aikido, foi porque as pessoas não tiveram a atitude correta perante o Aikido. E que provavelmente a razão e a maneira como ele morreu devia-se ao fato de que seu professor não estava ensinando o verdadeiro Aikido, mas uma outra arte de combate qualquer.

O-Sensei virou-se para mim e me chamou. Eu estava amedrontado, como nunca estivera antes em minha vida. Aquela cena me lembrava uma tourada, quando o touro era solto na arena. Se O-Sensei queria expressar aquela qualidade de raiva e poder, o melhor que podia me acontecer era morrer. Contudo, ele me projetou com uma delicadeza inacreditável e com um sorriso radiante. É como se ele estivesse dizendo “eu sou o mestre do Aikido, ou seja: eu sou o meu próprio mestre”.

– Robert Frager

 


 

 

Quando eu era uchi deshi de O-Sensei, todos deveriam usar hakama nos treinos. Desde a primeira vez. Não havia restrições ao tipo de hakama que você usasse, por isso o dojô era um lugar tão colorido. Eu vi todos os tipos de hakama, desde os mais simples aos mais sofisticados e caros. Havia gente usando hakama de Kendo, hakama próprio para dança e hakama de seda – chamados de sendai hira. Eu ficava imaginando aqueles estudantes “persistentes”, que faziam o diabo para pegar emprestado o hakama de seus avós; exatamente aqueles feitos para ocasiões especiais e cerimônias, estragando-os na prática de suwariwaza.

Eu me lembro vividamente o dia em que eu esqueci o meu hakama. Eu já estava me preparando para entrar no tatame usando só o meu dogi (keikogi), quando O-Sensei interrompeu.

“Onde está o seu hakama?”, perguntou rispidamente. “O que o faz pensar que pode receber instruções do seu mestre usando suas roupas de baixo? Você não tem senso de decoro? Obviamente está lhe faltando a atitude e etiqueta necessária a alguém que segue o caminho e os ensinamentos do budo. Sente-se ali, e apenas assista à aula!”.

Esse foi só o primeiro de muitos sermões que eu recebi de O-Sensei. Contudo, minha ignorância naquela ocasião chamou a atenção de O-Sensei para que ele desse uma aula, para todos os uchi deshi, sobre o significado do hakama. Ele explicou que o hakama era um traje tradicional para os estudantes do kobudo (o budo tradicional) e perguntou se havia alguém, dentre nós, que sabia o significado das sete pregas do hakama. “Elas simbolizam as sete virtudes do budo”. O-Sensei disse: “Elas são jin (benevolência), gi (honra), rei (cortesia), chi (sabedoria), shin (sinceridade), chu (lealdade) e koh (compaixão). Nós encontramos essas qualidades nos samurais do passado. O hakama nos leva a refletir sobre a natureza do bushido. Vesti-lo simboliza as tradições que nos foram passadas de geração a geração. O Aikido nasceu do espírito do bushido e, através da prática, devemos nos esforçar ao máximo para lapidar essas sete virtudes tradicionais”.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

Certa vez, duas pessoas vieram para assistir uma aula de Aikido. Não era comum, mas essas pessoas em particular estavam assistindo o treino com uma postura arrogante e com um certo sarcasmo estampado em seus rostos. Esse tipo de irreverência deixou O-Sensei irritado. O-Sensei imediatamente ordenou que eles se retirassem. Ele não tolerava desrespeito dessa natureza.

– Robert Frager

 


 

 

Quando O-Sensei falava, todos os estudantes sentavam-se na posição seiza, como se fossem fiéis seguidores de um senhor feudal, e ouviam suas palavras. Ele nunca falava sobre as técnicas. E ninguém podia entender sobre o que ele estava falando. Vez por outra O-Sensei ficava sozinho, à noite, e não tinha com quem falar. Nesses momentos, às vezes ele me chamava, mas eu me esquivava e ia embora.

– Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

Quando eu visitei o Japão, eu fui treinar no Hombu Dojô. O-Sensei foi muito amável comigo. Todas as manhãs O-Sensei olhava para ver se eu estava lá. Se não estivesse, ele mandava alguém me procurar.

Um dessas manhãs eu não estava presente, porque eu tinha bebido muito na noite anterior. Eu estava com uma grande ressaca. Não me vendo na aula, O-Sensei mandou alguém procurar por mim. Ele ficou sabendo que eu estava doente e na cama, mas não lhe disseram a causa. O-Sensei então foi me visitar. Eu estava ainda deitado quando O-Sensei entrou no quarto. Eu fiquei tão embaraçado com o fundador ali, em pé diante de mim, que me escondi debaixo da coberta. Ele me olhou e disse: “Por que você veio ao Japão? Você veio aqui para beber? Não beba tanto, daqui por diante”.

– Shin’Ichi Suzuki

 


 

 

O-Sensei não corrigia a posição das mãos ou dos pés dos alunos, na aula. Ou eles conseguiam absorver as técnicas ou não. Não era como num jardim de infância, onde os professores pegavam as mãos dos alunos e ensinavam como eles deveriam movê-las.

-Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

O-Sensei não era um professor técnico. Você aprendia em diferentes níveis. Você tinha de buscar um entendimento interno até o ponto em que você conseguia apreciar o quê ele estava tentando ensinar, e a maneira como ele se apresentava; ele era as suas palavras.

– Virginia Mayhew

 


 

 

Uma vez um aluno sênior estava se queixando que um aluno novo tinha entendido a postura das mãos, mas não a dos pés. O Instrutor sênior tinha concluído que se o aluno não conseguisse entender a postura de ambos, ele não conseguiria executar nenhum movimento. Aí, O-Sensei disse: “Bem… Então faça só com as mãos”.

– Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

Uma vez, conversando com O-Sensei, eu perguntei se podia testar o seu Aikido. Ele me respondeu com um silêncio mortal.

Seis meses mais tarde, pouco tempo depois de eu ter conseguido a minha faixa preta (shodan), no momento em que eu vesti o hakama, O-Sensei começou a me usar como uke em suas aulas. Não importando onde eu estivesse, durante as suas aulas matinais, ele me usava como uke em suas demonstrações. Assim, ali estava a resposta. Ou seja: quando você é faixa branca, você não sabe para onde as suas mãos e os seus pés vão. Por isso, não é confiável fazer ukemi.

– Robert Frager

 


 

 

Quando eu tinha treze anos e morava no interior do Japão, O-Sensei me convidou para estudar Aikido. Ele projetava vários alunos ao mesmo tempo e dizia: “Você vê? Isso é Kokyu (respiração)”. Eu fiquei totalmente confuso com aquela afirmação, porque ele não mostrou nenhuma respiração.

Só recentemente é que eu me dei conta de que O-Sensei captava energia das pessoas – positiva e negativa – unificando-as de uma forma extremamente intensa e movimentando seu corpo só um pouquinho para projetar as pessoas que eram bem mais fortes que ele. O-Sensei chamou a arte que ele criou de “Aikido”, ou a forma de unificar energias.

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

O-Sensei era uma pessoa completamente feliz, no tatame; estava sempre relaxado e atento. Ele tinha o dom de se comunicar com as pessoas; ele tinha um carisma todo especial. Sempre que O-Sensei entrava no dojô, toda a sua atmosfera mudava; ele era uma espécie de campo de energia. Tinha vezes que O-Sensei entrava no dojô muito sério. Todo mundo notava sua presença e naturalmente todos mantinham as posturas eretas; ele tinha esse tipo de força. Eu acho que era uma conexão espiritual. Óbvio, uma pessoa que seja altamente respeitada não só pela idade avançada, mas pelas atitudes e a própria personalidade marcante, por si só já obrigava esse tipo de postura por parte de qualquer um. Você não pode apresentar uma atitude desleixada diante de uma pessoa assim. O-Sensei manifestava esse tipo de influência com a sua presença e energia.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

A presença de O-Sensei era marcadamente forte. Eu podia sentir e dizer, quando entrava no dojô, se O-Sensei estava lá ou viajando. É como se alguém tivesse apagado as luzes do Hombu Dojô. Podia ser sombrio e escuro. De repente, como num passe de mágica, tudo cintilava. Isso aconteceu muitas vezes. E quando acontecia, eu perguntava “O-Sensei já voltou?”, e me respondiam “É, ele voltou sim. Chegou ontem à noite”. Isso acontecia sempre, sempre; dúzias de vezes. Ficava cada vez mais claro para mim, que ele era o Aikido. Só há um mestre de Aikido, e o resto de nós está tentando entender o que ele queria nos ensinar.

– Robert Frager

 


 

 

O-Sensei sempre teve uma perfeita noção de espaço e tempo. Às vezes ele chegava tão perto para ser atingido por um bokken ou jô… Sua noção de tempo e espaço era fantástica!

– Kazuaki Tanahashi

 


 

 

Eu me lembro de O-Sensei encarando seus melhores alunos com a espada e dizendo: “Rápido, mais rápido! Mais força! Acertem com vontade!”. Ninguém era rápido ou forte o bastante para ele. Não importava o quão rápido O-Sensei fosse atacado, eu nunca vi ou ouvi dele algo com “ esperem , só um minuto, assim é demais”.

– Yuuichi Nakaguchi

 


 

 

Você podia sentir a energia de O-Sensei, mesmo quando ele não estava praticando Aikido. Para O-Sensei, ser atacado por dois ou três alunos não se constituía verdadeiramente um ataque. Ele precisava de pelo menos cinco ou seis. A partir daí ele começava a vibrar; era algo que já valia à pena.

O-Sensei podia visitar Kumano Hongu Taisha, Nachi e ainda ler um livro. Tinha vezes que ele acordava lá pelas duas da madrugada e dizia: “Vou viajar e saia.”.

Um dia O-Sensei estava treinando comigo e a ponta da sua espada quebrou. “Chega!”, ele disse. Eu olhei para a ponta da espada e ele perguntou: “O que você está procurando? É isso?”. E aí ele tirou a ponta da espada do seu keikogi. Muito estranho. Eu não consigo imaginar como a ponta da espada foi parar no keikogi de O-Sensei.

– Michio Hikitsuchi

 


 

 

Todos os ensinamentos de O-Sensei eram importantes. Nem sempre ele ensinava com palavras. Ele mostrava as lições através de movimentos. Por exemplo, ele ensinou como liderar a partir do iriminage. Ele disse que para liderar as pessoas, você precisa ir primeiro. No iriminage você não puxa as pessoas para você. Você vai para trás delas. Para ser um líder, você realmente precisa querer ir primeiro.

– Morihiro Saito

 


 

 

O-Sensei podia mostrar algo em torno de trinta técnicas, em uma hora. Era tão rápido! Um dos alunos confessou que eles não conseguiam lembrar de tantas técnicas. O-Sensei dizia: “Esqueçam as técnicas. Vocês não precisam memorizá-las”.

– Shigenobu Okumura

 


 

 

Durante os treinos, O-Sensei nos ensinava a prestar atenção ao Ki de nossos parceiros. Ver e sentir o Ki dos nossos parceiros é ver e sentir o todo deles. Dessa forma você está apto para absorver a mente do seu parceiro, até sua aparência da cabeça aos pés. É difícil. Você não pode esperar o parceiro atacar. Você tem que ter habilidade para perceber rapidamente o suki (aberturas) e a intenção de atacar.

– Michio Hikitsuchi

 


 

 

As aulas de O-Sensei eram espontâneas. O costume no dojô era que o aluno sênior projetava o junior para a direita e depois para a esquerda. Depois o junior projetava o sênior para a direita e depois para a esquerda. Só que O-Sensei passava de uma técnica para outra, com muita rapidez. Tão rápido que quando chegava a minha vez de projetar, começava tudo de novo. E lá ficava eu como uke novamente. Perdi a conta do número de vezes que isso aconteceu.

– Morihiro Saito

 


 

 

Houve uma vez em que O-Sensei ficou furioso comigo. Havia um japonês com quem eu treinava depois das aulas matinais. Nós éramos muito amigos. Um dia nós pegamos os bokkens e começamos a brincar. Logo-logo, já estávamos batendo espadas. O-Sensei estava passando, ouviu e entrou no dojô. Quando ele nos viu, mandou que nós nos sentássemos e disse: “Ouçam: eu gostaria que vocês não fizessem isso. O que acontece com duas pessoas inexperientes quando brincam dessa maneira, é que podem se machucar. Eu sei que vocês não estão fazendo isso por mal, mas as brincadeiras começam a ir mais rápido e começam a se tornar sérias e logo-logo alguém acaba quebrando um dedo, um nariz, ou coisa pior. Então, por favor, não façam isso”. E nós concordamos em não fazer novamente.

Na manhã seguinte, ele nos pegou fazendo a mesma coisa. “Eu não sei se vocês se lembram do que eu falei ontem, mas…”, e aí repetiu o que ele havia dito. Novamente nós concordamos, com toda sinceridade.

Mas na manhã seguinte lá estávamos nós, novamente. O outro cara era tão estúpido quanto eu. Nós tínhamos combinado de fazer bem devagar, dessa maneira nenhum som seria ouvido. Mas acabamos nos envolvendo de tal forma que tudo começou a ir cada vez mais depressa e, claro, começamos a cruzar e bater os bokkens. O-Sensei nos ouviu e aí nós ouvimos ele vindo do seu quarto, gritando “Yeeeeee”. Foi terrível. Ele entrou no dojô como um furacão. Nós ficamos paralisados. Ele gritou com a gente. Nós fomos diminuindo, diminuindo, diminuindo, e cada vez mais nos sentindo idiotas. Eu sabia que, em hipótese alguma, ele me machucaria. Mas foi pior e eu até preferia que tivesse sido de outra maneira. Não sei como descrever alguém com esse calibre. Ele podia ter chegado a vias-de-fato, nesse processo.

Na manhã seguinte, depois da aula, eu fui para um lado e o outro cara foi para outro. Nós nunca mais brincamos com os bokkens.

-Terry Dobson

 


 

 

Não havia treino com armas no Hombu Dojô. Certa vez, quando eu era shodan, eu peguei um bokken no exato momento em que O-Sensei entrou. O-Sensei costumava ver o que estava acontecendo lá de trás, assim os alunos não podiam saber se ele estava lá ou não. Ele me olhou com aqueles seus olhos e disse: “Nunca pegue numa arma, se você não sabe como usá-la”.

O-Sensei ensinava armas para os seus uchi deshi, mas ele não era favorável a treinos e aulas abertas ao público. O-Sensei nunca explicou as razões. Mas eu acho que as razões podem ser ilustradas por causa de um incidente.

Uma vez ele me ensinou um pequeno kotodama (pratica espiritual através de palavras e sons). Ele me ensinou a usar o “su” e algumas outras sílabas. O-Sensei pediu que eu não a ensinasse para ninguém. “Isso pode fazer com que as pessoas se tornem muito fortes, você pode desenvolver um poder…”, e terminou dizendo que nem todo mundo podia tê-lo.

– Robert Frager

 


 

 

Houve um incidente marcante que ficou para sempre em minhas memórias. Aconteceu pouco antes de O-Sensei ter sido internado no hospital. Eu ainda posso ver o fundador em pé, diante de mim. Quando eu o encarei, meu bokken estava pronto para o ataque. Aquele velhinho, frágil e pequeno, tinha desaparecido. No seu lugar, encontrei uma montanha. A sua presença era tão forte e apavorante, que a sua energia tomava conta de todo o dojô. Eu olhei bem dentro dos seus olhos e fui arrastado pelo poder gravitacional do seu espírito. A luz que brilhava lá, continha a sabedoria e o poder da vida. Meu corpo não se movia. As palmas das minhas mãos estavam firmes, segurando o bokken e o suor escorria pelo meu rosto. Meu coração disparou e eu podia sentir os seus batimentos e também a pulsação do sangue circulando em minhas veias, dos braços e das pernas. O-Sensei deu a ordem: “Ataque!”. Coloquei toda a minha determinação em um só kiai, como se fosse o supremo grito dos samurais, e ataquei com toda força e velocidade. O movimento de O-Sensei foi como um flash; ele desapareceu. Meu ataque foi devastador, por assim dizer. Um só movimento, um só corte. Decisivo! Num piscar de olhos, O-Sensei esquivou-se e eu pude ouvir o zunido do seu bokken cortando três vezes. Ele estava em pé, bem atrás de mim. “Saotome, você ataca muito devagar”.

Dez minutos antes, eu tinha ajudado aquele homem a subir dois degraus da escada do dojô.

– Mitsugi Saotome

 


 

 

Uma vez O-Sensei mostrou uma técnica mais de vinte vezes, enquanto nós assistíamos sentados. Então ele disse: “Eu acho melhor parar porque se eu fizer mais uma vez, vocês podem descobrir o que eu estou fazendo”. Ele fez mais uma vez e então parou. Mas ele acrescentou: “Eu não preciso me preocupar, eu ainda tenho 9.985”. E aí as coisas ficaram mais enevoadas ainda. Tudo o que ele tinha dito antes ficou obscurecido.

– Henry Kono

 


Certa vez eu estava treinando jô com O-Sensei e aí eu pensei: o que aconteceria se eu o acertasse na cabeça, naquele instante? Naquele exato momento, O-Sensei me olhou com aquele olhar severo.

Outra vez, quando O-Sensei estava muito doente e os uchi deshi tinham que ajudá-lo a tirar o hakama, eu estava bem atrás dele e pensei: o que aconteceria se eu o atacasse agora? Imediatamente O-Sensei se virou e me olhou com o mesmo olhar severo.

Teve um uchi deshi que resolveu emboscar O-Sensei numa alameda por onde ele passava todos os dias, sempre no mesmo horário. O aluno se escondeu atrás do muro, com o seu jô. Na hora de sempre, ele ouviu os passos de O-Sensei, mas de repente O-Sensei parou e voltou. O aluno abandonou seus planos. Ninguém jamais soube porque O-Sensei mudou sua rotina.

– Nobuyoshi Tamura

 


 

 

Um dia, logo no início da primavera, eu estava ensinando Inglês na Escola Missionária Luterana. Eu estava a mais ou menos uma hora de trem, de Tókio. O dia havia começado como qualquer outro dia de primavera. Mas logo ficou frio, nublado e começou a nevar no final da manhã. Com a nevasca os alunos foram dispensados para que retornassem às suas casas, logo no início da tarde.

Eu peguei o trem e voltei para o Hombu Dojô. No meio do caminho, precisei pegar o metrô. Mas ambos, trem e metrô foram paralisados. Não havia transportes. Então, resolvi continuar andando até o Hombu Dojô. Calculei que levaria uma hora e meia caminhando sobre a neve. Mas eu insisti. Era uma quarta-feira e a aula de Arikawa Sensei começava às três horas da tarde. Aula de Aikido. Eu realmente gostava de Arikawa Sensei, por isso eu estava tão motivado e ansioso para chegar logo ao Hombu Dojô. Eu não queria perder a aula dele.

Eu finalmente cheguei ao Hombu Dojô a tempo para a aula das três horas. Mas Arikawa Sensei não conseguiu chegar por causa da nevasca. Então, Fugita Sensei deixou seus afazeres no escritório para substituir Arikawa Sensei. Os únicos outros participantes eram um grupo de mulheres, membros do Clube de Aikido da Escola de Kioto. Elas estavam lá para o gasshuku e ficariam no dojô para as aulas. O outro que conseguiu chegar era um colega japonês.

Fugita Sensei começou a aula e quando estávamos todos já treinando, O-Sensei apareceu. Trazia com ele um pergaminho. Ele projetou Fugita para um lado e para o outro durante um tempo e depois se sentou, abriu o pergaminho e começou a ler em voz alta.

Era a história de Izanami e Izanagi, de Kojiki (a história de como o mundo começou através dos poderes de criação desses seres, um homem e uma mulher). Então, O-Sensei agradeceu com toda a sinceridade e amabilidade às mulheres, por terem vindo de tão longe para estudar Aikido. Ele disse que esperava que todas continuassem a estudar Aikido, mesmo depois que elas se casassem. Ele também disse que esperava que todas elas continuassem a praticar Aikido, com seus respectivos maridos.

Sobre o Insbrai

O Instituto Sul-brasileiro de Aikido, liderado por Vargas Sensei, 6º Dan, há mais de 30 anos ensinando a arte marcial Japonesa do Aikido na cidade de Porto Alegre, RS.

Publicações recentes

Acompanhe

Vídeo Institucional